segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Características exclusivas garantem demanda para o cacau nativo
* Ecio Rodrigues
Nem sempre a domesticação de uma espécie florestal que adquire valor comercial expressivo é a única ou a melhor saída. Domesticar significa retirar a espécie do interior do ecossistema florestal para cultivá-la em espaço aberto, sob alta produtividade e em larga escala. Significa também intensificar os estudos em melhoramento genético, a fim de clonar a espécie florestal, tornando-a mais produtiva.
A domesticação teve o grande mérito, é verdade, de praticamente suprimir a fome no mundo. O procedimento vem sendo levado a efeito, diuturnamente e com relativo sucesso, para todas as espécies que compõem a cesta de alimentação básica da humanidade.
Todavia, no caso das espécies florestais, a experiência demonstra que existe uma demanda permanente para o produto obtido mediante o manejo da espécie no interior do ecossistema florestal. Esse produto encontra público garantido, um nicho de mercado que resiste ao consumo massificado do produto derivado da domesticação.
Na falta de uma explicação melhor, tudo indica que algumas características exclusivas, presentes na espécie em ocorrência natural no ecossistema florestal, fornecem certos atributos ao produto final, que, por sua vez, fazem com que um seleto grupo de consumidores mantenha sua demanda.
É provável que o melhor exemplo seja o do cacau nativo amazônico. Com uma produção expressiva desde o período posterior ao descobrimento do país, e que perdurou por mais de 300 anos, o cacau nativo passou pelo processo de inelasticidade da oferta até que a domesticação foi viabilizada.
Assim, sob elevados investimentos estatais, o cacau amazônico foi cultivado em outras regiões do país. Esperava-se que as pragas existentes na Amazônia, como o fungo causador da doença conhecida por “vassoura-de-bruxa”, não chegassem às regiões consideradas de escape – o caso de Ilhéus, na Bahia –, em que as condições climáticas, entre outros fatores, não seriam favoráveis à proliferação do micro-organismo.
Para encurtar a história: em que pese todo o investimento feito no cultivo do cacau, e não obstante o fato de o mercado para o chocolate produzido com o cacau de cultivo ser vultoso e preponderante, o cacau nativo amazônico continua sendo demandado e permanece no mercado, contrariando todas as evidências. Essa circunstância só pode ser explicada por razões que remetem a características exclusivas presentes nas espécies nativas.
Essas características exclusivas podem proporcionar melhorias relacionadas à percepção sensitiva do chocolate oriundo do cacau nativo, que o diferenciam do chocolate proveniente do cacau domesticado.
Como os europeus afirmam, o cacau nativo amazônico possui “flavour” (misto de sabor e aroma) superior ao do cacau cultivado e que, ao longo do tempo, passou por melhoramentos para se tornar mais produtivo. Como se sabe, a produtividade é o principal atributo para o mercado massificado.
A conclusão é que o mercado massificado, que requer uma grande escala de produção, pode ser atendido pela domesticação da espécie em cultivos, e até mesmo, como no caso da borracha, pela sua substituição por sintéticos (leia-se indústria do petróleo).
Todavia, quando a demanda busca certas especificidades num determinado produto oriundo de uma espécie florestal – concernentes ao sabor, à aparência, ao aroma ou aos coeficientes técnicos desse produto –, surgem nichos de mercado que mantêm o consumo da espécie florestal manejada em seu ambiente nativo, ou melhor, do produto extraído das árvores dispersas no interior da floresta.
O cacau amazônico, extraído da floresta nativa, apresenta menor escala de produção e alcança maior preço de mercado. O que é melhor para a Amazônia?
  
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).



domingo, 4 de agosto de 2013

Fantasma da biopirataria esconde incompetência tupiniquim
* Ecio Rodrigues
Se um produtor resolver se aventurar no arriscado mercado de produção de sementes florestais irá se deparar com dois grandes obstáculos: um deles relacionado à excessiva, complexa e muitas vezes insana normatização aplicada a essa atividade; o outro, ao fantasma da biopirataria.
Não se sabe exatamente se o primeiro é consequência do segundo ou vice-versa, mas o fato é que ambos não deixam que a produção de sementes florestais nativas avance. Isso numa região como a Amazônia, historicamente carente de opções econômicas lucrativas no âmbito do setor primário.
Esse impasse não se limita, infelizmente, ao potencial de mercado das sementes florestais. Inclui também o lucrativo e promissor mercado dos cosméticos e dos fitoterápicos, cuja produção deriva das espécies florestais.
O fantasma da biopirataria faz vítimas. Vez ou outra, algum desavisado se vê obrigado a defender-se de acusações sempre subjetivas, que como plumas ao vento vão se alastrando e do nada convertem um pesquisador, um produtor ou um empresário num terrível e, claro, famoso biopirata.
Há duas circunstâncias que, somadas, ampliam exponencialmente o risco de alguém se transformar num famoso biopirata.
Primeiro, quando a espécie florestal que supostamente é objeto da cobiça perdulária do mundo tem origem na Amazônia. Obviamente, um biopirata da Caatinga não conta com o mesmo espaço de mídia conferido ao biopirata da floresta considerada a mais rica do mundo.
Segundo, quando a suposta biopirataria é perpetrada por estrangeiros. Essa circunstância é relevante, pois, ao que parece, o fato de São Paulo plantar todas as espécies florestais amazônicas que fazem sucesso comercial não conta como biopirataria, ou conta?
Voltando aos gringos. O sujeito pode até ter cidadania brasileira, mas se estampar algum sotaque, se falar enrolado, ninguém duvidará de que se trata do mais importante biopirata, internacionalmente conhecido.
A superação de entraves impostos por um conjunto de normas abstrusas, com poucos lampejos de bom senso, exige do empreendedor uma enorme força de vontade; alguns se dispõem a fazê-lo e até conseguem.
A biopirataria, contudo, configura-se num verdadeiro muro intransponível. É impossível superar o conceito equivocado que predomina na cabeça de uma grande parcela de indivíduos, incluídos aí os que têm poder de decisão para pôr o empreendedor atrás das grades.
Todavia, entendendo-se a biopirataria, esse neologismo inventado por nós, como a transferência entre países de material genético, vegetal ou animal, sem a celebração de acordos internacionais que legalizem essa transferência, a biopirataria não passa de uma especulação, um factoide que se beneficia da desinformação generalizada.
Vale dizer, biopirataria não existe, nunca existiu. Não há indícios de sua ocorrência, muito menos de condenações baseadas em tal fundamento.
Nem mesmo o exemplo da borracha, sempre aventado quando o tema vem à baila, resiste a uma análise histórica. As sementes de seringueira chegaram à Malásia legalizadas por acordos internacionais que o Brasil assinou, tendo se transformado em plantios produtivos graças à competência dos engenheiros florestais ingleses, que conseguiram rapidamente domesticá-las.
Competência, essa é a chave para transformar biodiversidade em renda na Amazônia, sem a assombração de fantasmas. 
        

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

Livro Ciliar Só Rio Acre

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