terça-feira, 24 de outubro de 2017


Vocação florestal do Acre foi esquecida em alguma prateleira
* Ecio Rodrigues
          No início dos anos 1990 era bastante comum a discussão, em eventos os mais diversos e que aconteciam a todo instante, sobre os rumos a serem tomados para a consolidação da economia estadual, por meio da geração de emprego e riqueza.
          Não havia dúvida, à época, quanto ao fato de que o modelo produtivo ancorado na pecuária de gado era inviável por razões agronômicas (ou seja, limites técnicos como fertilidade do solo e impossibilidade de mecanização da maior parte das terras) e também por razões políticas, já que a tolerância em relação à destruição da floresta não encontraria eco nem no restante do Brasil, nem tampouco no resto do mundo.
Decerto que, sem um período de transição, não seria possível sair de um modelo baseado na agropecuária diretamente para uma nova diretriz produtiva fundada na vocação florestal. Não se faz uma mudança tão radical de um ano pro outro ou, como se diz, de uma hora pra outra.
As discussões entabuladas, portanto, eram no sentido de que, por meio da formação de um novo grupo político, esse processo de transição produtiva seria desencadeado já a partir da década de 1990. Nessa etapa, seria possível, inclusive, debater e instalar algumas experiências promissoras, voltadas para conter os desmatamentos e banir a prática das queimadas.
O projeto político de valorização da vocação florestal do Acre passou a contar com apoio de setores públicos e de organizações do terceiro setor, cientes das limitações técnicas da criação de boi e do potencial representado pela aplicação da tecnologia do manejo florestal.
No âmbito federal, por exemplo, a criação de 5 reservas extrativistas ampliou significativamente o espaço territorial destinado ao uso florestal, levando à execução de iniciativas no campo do manejo comunitário – tecnologia pensada para resolver o problema produtivo daquela categoria especial de unidade de conservação.
Por meio dessa tecnologia – que se assenta nos trabalhos da Funtac (Fundação de Tecnologia do Acre), da Embrapa e do CTA (Centro dos Trabalhadores da Amazônia) –, era possível maximizar a exploração de recursos florestais, para além do tradicional binômio borracha e castanha, incluindo madeira, sementes, fauna silvestre etc. na cesta de produtos e serviços que a floresta pode ofertar.
Por sinal, a Reserva Extrativista e o Manejo Florestal Comunitário para produção de madeira configuram os mais importantes legados do Acre, que revolucionaram a política florestal instituída em toda a região amazônica. 
Os envolvidos no processo de transição produtiva destinado a suplantar a dependência econômica da pecuária estavam cônscios que três grandes desafios teriam que ser enfrentados e vencidos.  
O primeiro deles se referia à ampliação da disponibilidade de terras, públicas e privadas, para a exploração econômica da biodiversidade, sobretudo da madeira; depois, no intuito de promover a economia florestal, era necessário garantir que se incluísse na matriz energética, em especial nas cidades do interior, a geração de energia elétrica por meio de biomassa de origem florestal.
Por fim, as experiências de manejo florestal de uso múltiplo e comunitário teriam que ser ampliadas, de forma a abranger todos os municípios.
Passados 20 anos, as estatísticas demonstram a estagnação da economia estadual e uma dependência cada vez maior da pecuária de gado – tudo o que se esperava ver, hoje em dia, superado. Ao que parece, a vocação florestal do Acre foi esquecida nas prateleiras das instituições de pesquisa.
Mas os defensores da economia florestal estavam certos. Com um pouco de determinação e vontade política teria sido possível concluir o processo de transição produtiva em direção à sustentabilidade da exploração da biodiversidade, de maneira ininterrupta e, o melhor, para sempre.


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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